Definição
Teoria que tem como base o pressuposto de que existe ligação entre crueldade contra os animais e uma futura violência contra seres humanos.
Aspectos distintivos
A ligação entre crueldade contra animais e violência contra seres humanos vem sendo estudada há muito tempo. Diferentes pesquisadores, como Margaret Mead, Stephen Kellert e Alan Felthous, Linda Merz-Perez, Kathleen Heide e Ira Silverman, entre outros, dedicaram-se a resolver essa intrigante e delicada questão.
Um impulso crucial para o reconhecimento dessa ligação foi manifestação do interesse dentro da Criminologia. Questões como a origem e o reconhecimento antecipado de pessoas violentas, bem como as formas de impedir seus atos, foram levantadas nessa seara. Margaret Mead, uma antropóloga norte-americana, foi uma das primeiras pesquisadoras a falar sobre o tema, no ano de 1964. Para ela, matar e torturar um ser vivo podem ser sinais diagnósticos de subsequente violência contra seres humanos. O Federal Bureau of Investigation (FBI), por sua vez, começou a quantificar a crueldade com animais como um fator nos seus perfis criminais durante o final dos anos 1970.
Na década de 1980, uma pesquisa englobando criminosos e não criminosos foi conduzida por Stephen Kellert e Alan Felthous, em Kansas e em Connecticut, nos Estados Unidos da América. Os autores concluíram que a frequência de atos de crueldade contra animais foi decisiva na distinção de criminosos agressivos e não agressivos, bem como um fator no ciclo de graduação dos abusos por parte de alguns indivíduos estudados.
Já no ano de 1988, outro marco importante ocorreu para a identificação da ligação entre violência a animais e a pessoas, quando a crueldade contra os animais ganhou seu espaço na revisão do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Desorders III (DSM-III-R), nos Estados Unidos, como um sintoma de desvio de conduta. Porém, no DSM-III-R, a crueldade contra os animais estava agrupada com outros sintomas de violência relacionados à destruição de propriedade (vandalismo). Em 1994, na quarta edição do DSM, a crueldade física contra os animais passou a ser listada entre os transtornos de conduta. O título “Agressão contra as pessoas e os animais”, do DSM-IV, é um reconhecimento implícito de que o abuso contra os animais envolve causar dor, sofrimento ou morte a criaturas sencientes e que pode ser um sinal de falta de empatia. Foi reconhecido, portanto, que os animais são mais do que simples propriedade e que as motivações para maltratá-los podem ser bem diferentes daquelas associadas ao vandalismo ou destruição da propriedade.
Diversos pesquisadores, como Arnold Arluke, Carter Luke, Jack Levin, Frank Ascione, António Fonseca e Sofia Dias, discorrem sobre a “hipótese de graduação”, em que é esperado que os abusadores de animais passem, gradativamente, de atos cruéis cometidos contra animais até chegarem ao ponto de maltratarem pessoas. As agressões inicialmente são dirigidas aos seres vulneráveis ou de fácil controle, os animais, para depois se estenderem aos humanos; a violência começaria na família e, após, continuaria fora de casa. No livro “Serial killers: louco ou cruel?”, de Ilana Casoy, são retratadas as histórias de dezesseis serial killers que chocaram o século XX, muitos dos quais iniciaram suas carreiras de crimes maltratando e/ou matando animais. Muitos assassinos em série começaram a matar animais como um método de resposta à humilhação e para mostrar seu poder e dominação. Tal situação é abordada no filme “Atração Fatal” (Fatal Attraction), onde Alex Forrest, personagem de Glenn Close, revela-se uma psicopata assassina ao não aceitar o fim de seu affair com um homem casado, Dan Gallagher, vivido por Michael Douglas, e ser ignorada por ele. Em uma das cenas do filme, Alex invade a casa dos Gallaghers, pega o coelho de estimação da filha de Dan, mata-o e o deixa fervendo dentro de uma panela.
No que se refere à ligação entre crueldade animal na infância e uma provável agressão contra pessoas na idade adulta, quatro fatores relevantes devem ser considerados: o tipo de crueldade cometida; o tipo de animal alvo; a motivação para a crueldade; e a resposta do perpetrador à brutalidade cometida. Para eles, rotular a crueldade aos animais como atos incidentais cometidos por crianças problemáticas é descartar a oportunidade de identificar comportamentos que possam ser precursores da futura violência contra humanos. Cada ato deve ser investigado como uma ação específica praticada por um indivíduo específico contra um animal específico. Desta forma, os atos de crueldade com animais com a posterior crueldade contra os seres humanos podem ser distinguidos daqueles que não os são.
Em 2007, outro estudo, desta vez realizado por Christopher Hensley, Suzanne Tallichet e Erik Dutkiewicz, enfocou a crueldade animal na infância entre homens encarcerados em uma prisão de segurança média situada no sul dos Estados Unidos. Entre os que haviam estuprado animais, 87% admitiram terem também cometido um crime interpessoal quando adultos. Em resumo, aqueles que na infância praticaram atos sexuais com animais tinham mais possibilidade de agredirem pessoas quando adultos, se comparados àqueles que não haviam praticado o ato quando crianças. Assim, as descobertas dos autores apoiam a ligação entre o estupro de animais como uma forma de crueldade animal e violência humana interpessoal. Maltratar tanto animais quanto humanos fornece as mesmas experiências agradáveis, agora fundidas com a excitação sexual.
No Brasil, o pesquisador Marcelo Nassaro analisou as 643 autuações por maus-tratos a animais da Polícia Militar Ambiental no Estado de São Paulo, entre 2010 e 2012. Verificou que o crime de lesões corporais foi o mais cometido por aqueles que abusaram de animais e que quase metade de todos os autuados por maus-tratos aos animais foram também violentos contra pessoas. Tal estudo realizado por Nassaro referenda os achados de pesquisas internacionais no que diz respeito à Teoria do Link.
Análise
A despeito das pesquisas citadas acima, a existência de ligação entre crueldade animal e violência contra seres humanos ainda não é aceita por todos. Estudiosos como Emily Patterson-Kane e Heater Piper alertam que a as explicações causais para tal ligação, como transtorno de conduta, sofrem com a falta de validação das pesquisas. Afirmam, também, que a maioria dos criminosos violentos estudados não reportou atos de abuso contra animais. E concluem que, dada a inconsistência dos dados subjacentes, enfatizar a periculosidade indiscriminada de todos os abusadores de animais pode ter consequências imprevistas e indesejadas. Entretanto, o FBI e outras instituições dos Estados Unidos reconhecem o uso da Teoria do Link como indicador de perfil, principalmente no que se refere a assassinos seriais. Por conseguinte, verifica-se que, apesar de fortes evidências, a existência da relação entre crueldade contra animais e posteriormente contra seres humanos não goza, ainda, de unanimidade entre a comunidade científica. Novos estudos ainda precisam ser realizados para elucidar este relevante tema.
Referências Bibliográficas
AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and statistical manual of mental disorders. Washington, DC: American Psychiatric Association, 1994.
HENSLEY, Christopher; TALLICHET, Suzanne E.; DUTKIEWICZ, Erik L. “Recurrent childhood animal cruelty: is there a relationship to adult recurrent interpersonal violence?”, Criminal Justice Review, v. 34, n. 2, jun. 2009, p. 248-257.
KELLERT, Stephen R.; FELTHOUS, Alan R. “Childhood cruelty toward animals among criminals and noncriminals”, Human Relations, v. 38, n. 12, 1985, p. 1113-1129.
NASSARO, Marcelo R. F. Aplicação da teoria do link – maus tratos contra os animais e violência contra pessoas – nas ocorrências atendidas pela Polícia Militar do Estado de São Paulo. Dissertação (Mestrado Profissional em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública) – Centro de Altos Estudos de Segurança, Polícia Militar do Estado de São Paulo, São Paulo, 2013.
PATTERSON-KANE, Emily G.; PIPER, Heater. “Animal abuse as a sentinela for human violence: a critique”, Journal of Social Issues, v. 65, n. 3, 2009, p. 589-614.
Referências artísticas
Serial killers: louco ou cruel? (Ilana Casoy, 2014)
Livro
Atração Fatal (Adrian Line, 1987)
Filme
Gisele Kronhardt Scheffer
Lattes | ORCID
SCHEFFER, Gisele Kronhardt. Teoria do link. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2020. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/teoria-do-link/62. ISBN 978-85-92712-50-1.