Definição
Rompimento da relação entre Governantes e governados em uma democracia representativa; desconfiança da população nas instituições que retira a legitimidade da representação política.
Aspectos distintivos
A vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses e o resultado do Brexit na União Europeia, em 2016; a fragmentação partidária francesa que elegeu Emmanuel Macron em uma disputa contra a candidata de extrema-direita Marine Le Pen, em 2017; a eleição de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018. Apesar de cada uma dessas situações ter suas características particulares, todas possuem uma coisa em comum: uma onda anti-stablishment político de desespero contra uma série de crises em nível mundial que colocaram a representação política em cheque.
A crise econômica mundial de 2008, aliada a crises ambientais no mundo, corrupções políticas e uma possível oligarquia velada, que afastam a população da vida política da cúpula é traduzida em uma atual ruptura entre governantes e governados em um sistema democrático. Para Manuel Castells, a crise representativa causa um rompimento entre interesses do Estado e interesses da nação, que aceita medidas autoritárias na esperança de remover os agentes do Estado distantes do povo que não representam seus interesses.
Análise
Uma ruptura representativa, nos moldes modernos, não seria uma total novidade para um país com os desdobramentos históricos como os do Brasil. As manifestações de junho de 2013 e março de 2015, através de um forte engajamento realizado nas redes sociais e internet, pareceu devolver o poder ao povo.
Rápidas mudanças econômicas, sociais e tecnológicas ocorrem desde o final do século XX. A transparência e a velocidade das informações de uma sociedade em rede causaram assombro em alguns lugares do mundo na primeira década do século XXI. O mundo cada vez mais globalizado e conectado se viu diante de uma crise econômica em 2008. Escândalos de corrupção política foram vistos em diversos lugares do mundo e o primeiro grande evento causado por essa sociedade conectada foi a série de movimentos populares chamado de Primavera Árabe. Logo, outros eventos populares descentralizados surgem em outros lugares do mundo com os mais variados interesses; no Brasil, o aumento de R$ 0,20 nas passagens de ônibus, em 2013, deu origem ao movimento chamado Jornadas de Junho, movimentos independentes e descentralizados que em pouco tempo aglutinaram diversas pautas, entre elas a luta contra a corrupção.
Apesar de alguns partidos tentarem usar destes movimentos como forma de manutenção política, até 2015 uma frase foi bordão de movimentos sociais: não me representa. Este era o início da crise da representação política no Brasil, que também foi visto em outros países no mundo com características semelhantes.
A velocidade da propagação de informação e evolução das tecnologias acaba sendo usada como ferramenta de denúncia e pós-verdades. A população assustada com a corrupção estrutural e as mudanças bruscas da sociedade em meio à crise econômica mundial foram, de certa forma, margem para o descontentamento na política vigente.
A constituição de 1988 estabeleceu esse modelo representativo para que o povo pudesse ser participativo na política nacional, porém o que foi observado ao passar dos anos foi uma representatividade limitada ao sufrágio eleitoral repetido a cada 4 anos. Rogério Khamis defende que este modelo gerou uma oligarquia velada onde os preceitos constitucionais são deixados de lado para os favorecimentos da elite. Citando Ferdinand Lasalle, a Constituição aplicada se difere do seu texto, a transformando em uma mera folha de papel e facilitando, mesmo que dentro do processo democrático, um ambiente de dominação da classe política sobre o povo.
Khamis afirma que a técnica do mandato representativo como forma de participação política está em crise, na medida que ingressou num círculo vicioso, uma vez que se converteu em instrumento de dominação. Portanto, a crise institucional não apenas passou do patamar de descrença nos processos como passou a invalidar, para a população, a instituição como um todo – o que fez a representatividade perder o sentido dentro da atual democracia brasileira. Grande parte desse sentimento surgiu pelas denúncias feitas pela Operação Lava-Jato. O poder institucional e coercitivo do Estado jogou a população para a margem da política a fim de manter seu status quo de dominação.
Entretanto, não se pode confundir uma crise institucional com contornos anárquicos, e sim com uma redefinição da sociedade sobre do que se trata a política e os motivos de sua desorganização, e que deve ser reabilitada para abrigar as novas ideologias e organizações da população.
O que se observa é a falta de compreensão do Estado brasileiro para comportar as mudanças que originaram a sociedade do século XXI e seus instrumentos. Neste sentido, o terreno para o anti-stablishment político está preparado. Países democráticos elegeram figuras com discursos xenófobo, homofóbico e preconceituosos nos últimos anos. Essa onda ocorre principalmente pela postura totalmente diferente dessas figuras em comparação aos políticos que eram vistos até então. Apesar da população, em geral, não ser conivente com este discurso, a ruptura com a representação política estabelecida dá força para movimentos e ideias autoritárias dentro da democracia representativa.
Referências bibliográficas
CASTELLS, Manuel. Ruptura: a crise da democracia liberal. São Paulo: Zahar, 2018.
KHAMIS, Rogério. A crise da técnica da representação. São Paulo: PUC-SP, 2013.
MILL, John Stuart. Governo representativo. São Paulo: Escala, 2006.
Referências artísticas
Black Mirror (Charlie Brooker, 2011- T2E3)
Série de TV
No episódio “The Waldo Moment”, a ruptura representativa transforma uma animação desbocada e polêmica de um programa de TV no principal candidato a primeiro ministro do Reino Unido.
Tô Feliz (Matei o presidente) (Gabriel, O Pensador, 1992/2017)
Música
A canção do rapper brasileiro lançada em 1992 mostra insatisfação com a classe política. Reeditada em 2017, após diversos escândalos políticos nacionais, a música retoma a insatisfação política vigente.
Chicken Little (Walt Disney, 1943)
Curta-metragem
O curta premiado, com campanha antinazista, conta a história de um galinheiro alvo da raposa faminta que se utiliza de técnicas para causar uma ruptura da população em relação ao seu governante para facilitar o seu acesso ao galinheiro e se alimentar.
Diego da Rosa dos Santos
Lattes | ORCID
SANTOS, Diego da Rosa dos. Ruptura representativa. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2020. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/ruptura-representativa/58. ISBN 978-85-92712-50-1.