Definição
"Penas alternativas" é a denominação mais frequente no Brasil para designar o conjunto variado de práticas punitivas não carcerárias previstas em lei e utilizadas como reação estatal à conduta de alguém que pratica um ato definido legalmente como crime, seja enquanto condição a ser cumprida por essa pessoa para evitar uma condenação criminal, seja como sanção imposta a ela em razão dessa condenação.
Aspectos distintivos
As práticas punitivas não-carcerárias designadas pelo termo "penas alternativas", no Brasil, correspondem ao que se denominou "penas restritivas de direitos" na legislação brasileira. O termo "medidas alternativas" é utilizado para distinguir os casos em que são utilizadas como uma condição a ser cumprida para evitar uma condenação criminal, reservando-se "penas alternativas" para as situações em que são impostas como uma sanção decorrente de uma condenação criminal. Durante o segundo Governo Dilma, o Ministério da Justiça passou a utilizar a expressão "alternativas penais" para abarcar não só essas duas hipóteses, mas também práticas, em tese, não-punitivas e não-carcerárias, de medidas cautelares, como a fiança e o monitoramento eletrônico, à justiça restaurativa. Na literatura e legislação estrangeiras, as mesmas práticas podem ser nomeadas por expressões traduzíveis como "penas comunitárias", "sanções intermediárias", "alternativas à prisão", entre outras.
As modalidades de penas alternativas mais aplicadas no Brasil são a prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas e a prestação pecuniária. Na prestação de serviços, impõe-se ao cumpridor a obrigação de realizar, gratuitamente, durante, pelo menos, uma hora de seu dia, tarefas em benefício de alguma entidade assistencial, hospital, escola, orfanato ou outro estabelecimento semelhante, ou ainda em programas comunitários ou estatais, determinados previamente pelo juiz. Na prestação pecuniária, impõe-se ao cumpridor o pagamento de uma quantia fixada pelo juiz, que pode variar entre um e trezentos e sessenta salários mínimos, em favor da vítima do crime, seus dependentes, ou a entidade pública ou privada com destinação social.
Além dessas duas modalidades, o Código Penal brasileiro estabelece também outras penas alternativas, como a limitação de final de semana, a perda de bens e valores pertencentes ao cumpridor, e a interdição temporária de alguns direitos, como o de exercer cargo público ou mandato eletivo, ou mesmo o de dirigir veículos e frequentar determinados lugares. Existem ainda penas alternativas aplicáveis apenas em razão de alguns crimes específicos, como, por exemplo, a medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, prevista para as condutas relacionadas ao consumo pessoal de drogas, criminalizadas no art. 28 da Lei nº 11.343/2006, e o recolhimento domiciliar, previsto somente para os crimes ambientais da Lei nº 9.605/1998.
O principal parâmetro para definir se e quais as hipóteses em que penas alternativas são aplicáveis é o tempo de pena privativa de liberdade correspondente ao crime: seja aquele imposto na sentença condenatória, nos casos de substituição da pena ou de suspensão de sua execução, seja aquele previsto em tese na lei para o crime em questão, nos casos em que se busca evitar o processo e o risco de uma condenação criminal. A esse critério objetivo se conjuga uma análise subjetiva do acusado acerca de questões como reincidência, antecedentes criminais, ou mesmo já ter se submetido a alguma "medida alternativa" anteriormente para evitar o início ou prosseguimento de uma ação penal, sua conduta social, personalidade, motivos e circunstâncias do crime, bem como se o crime foi cometido com ou sem violência ou grave ameaça. Além disso, algumas penas e medidas alternativas são vedadas para crimes militares ou para casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.
No Brasil, a regulamentação para a execução e acompanhamento do cumprimento de penas alternativas é menos desenvolvida e uniforme que aquela existente para penas privativas de liberdade. Como consequência, distintos arranjos institucionais são encontrados conforme o estado, o município (se capital ou do interior) ou mesmo a unidade judiciária responsável pela sua execução. Pela mesma razão, não há uma divisão clara de papéis e responsabilidades entre os Poderes Executivo e Judiciário no que se refere ao acompanhamento e fiscalização de tais penas, o que é desempenhado inclusive por estruturas vinculadas ao Ministério Público em alguns locais. Onde se encontram estruturas mais desenvolvidas, há, em regra, uma equipe multidisciplinar integrada por profissionais das áreas da psicologia e assistência social, os quais dão apoio aos cumpridores, às instituições que os recebem e à tomada de decisão do juiz responsável pela execução da pena.
Quando comparadas com as penas privativas de liberdade, ao menos três vantagens das penas alternativas são apontadas: redução do uso do encarceramento, redução dos custos estatais com a sanção de crimes e maiores chances de reinserção social dos infratores a elas submetidos. A existência de penas não-carcerárias efetivas permitiria que juízes reservassem as penas privativas de liberdade para casos mais graves, o que, em tese, reduziria o encarceramento progressivamente. A execução e acompanhamento de penas e medidas alternativas exige menos recursos públicos do que a execução de penas privativas de liberdade, mesmo em cenários, como o brasileiro, em que o encarceramento ocorre em condições que violam inúmeras regras nacionais e internacionais. Por fim, por não exporem os cumpridores aos danos físicos e psicossociais do encarceramento, bem como permitirem a articulação de redes de proteção social, as penas alternativas teriam maiores chances de sucesso em obter a reinserção social de infratores durante e após seu cumprimento.
Análise
Embora a denominação "penas alternativas" seja a mais comum, tanto institucionalmente quanto na literatura especializada, alguns autores preferem a denominação "substitutivos penais", enfatizando a substituição que essas práticas punitivas realizam, seja da pena privativa de liberdade imposta, seja do próprio processo. O modo como as alternativas ao encarceramento são nomeadas em um contexto determinado se relaciona com as concepções sobre crime e punição que são hegemônicas na política criminal em que tais práticas estão inseridas. O populismo punitivo trouxe transformações não só nas maneiras de organizar e direcionar essas práticas punitivas, mas também aos próprios modos de nomeá-las. Assim, escolhas e mudanças na nomenclatura institucional normalmente indicam mais do que apenas opções teóricas ou aprimoramentos conceituais.
A expressão "alternativa" pode conferir a falsa noção de que a opção por uma dessas penas exclui a possibilidade de encarceramento. Na verdade, em regra, a pena privativa de liberdade permanece como uma consequência nas hipóteses de descumprimento das "alternativas" – seja de forma concreta, quando já houve uma condenação, seja como virtualidade, quando apenas o processo foi evitado ou suspenso. A referência a essa possibilidade de encarceramento como consequência do descumprimento é mobilizada por alguns atores do campo do controle do crime para dar às penas alternativas um maior rigor aparente quando enfrentam críticas de que tais penas seriam leves demais, ou que nem mesmo poderiam ser consideradas penas. Contrariando tais críticas, algumas pesquisas no Brasil identificaram que as penas alternativas são consideradas mais efetivas na perspectiva das vítimas de crimes contra a propriedade e mais rigorosas do que as penas privativas de liberdade em regime aberto na perspectiva dos cumpridores.
Reflexo de um contexto em que a racionalidade penal moderna segue hegemônica, e o populismo punitivo exerce força atrativa no debate público, a associação entre "penas alternativas" e "impunidade" já foi identificada como um dos obstáculos para que tais práticas efetivamente tenham impacto em um cenário de encarceramento em massa. No entanto, trata-se de uma relação mais complexa. A necessidade de "combater a impunidade" associada a outras práticas penais não-carcerárias foi utilizada como justificativa nas décadas de 1980 e 1990, no Brasil, para criar e ampliar o que hoje chamamos de "penas alternativas". A expansão de tais penas reduziu o uso das alternativas anteriores a elas e que ainda hoje são empregadas em outros países, como a multa substitutiva e a suspensão da execução da pena.
A ideia de que "penas alternativas" são mais "ressocializantes", embora atualmente faça parte do senso comum político-criminal, somente emergiu no Brasil no final da década de 1990, quando o fracasso da prisão na ressocialização de apenados e a redução de seus objetivos ao simples isolamento são admitidos em documentos governamentais. Durante os primeiros quatorze anos de sua existência, as penas alternativas foram associadas a sujeitos ditos "sem periculosidade", vistos como inseridos socialmente e que, por isso, não precisariam serem "ressocializados". Esses mesmos sujeitos, posteriormente, passaram a serem vistos como alvos preferenciais de uma "ressocialização possível" e que teria mais chance de sucesso. Embora algumas pesquisas tenham apontado que cumpridores de penas ou medidas alternativas reincidiriam menos do que aqueles que cumpriram penas privativas de liberdade, um estudo de âmbito nacional no Brasil identificou que 62,8% dos sujeitos processados criminalmente já haviam recebido algum tipo de benefício penal anteriormente ao fato de que foram acusados.
No Brasil e em outros países, a instituição de penas alternativas não reduziu o encarceramento ou do uso da prisão como pena, embora alguns levantamentos tenham apontado que já existem mais pessoas cumprindo penas ou medidas alternativas do que pessoas encarceradas. Uma das razões apontadas para a ausência de impacto nos níveis de encarceramento é a de que as penas alternativas foram direcionadas a sujeitos que, antes delas, ou não seriam condenados criminalmente, ou, se o fossem, não seriam encarcerados, gerando o fenômeno de ampliação da rede (net widening) punitiva estatal. Esse direcionamento foi consequência de representações compartilhadas socialmente acerca da ideia de punição e que orientaram escolhas feitas tanto por legisladores, ao delimitar as hipóteses e requisitos para que tais penas fossem aplicadas, quanto por promotores e juízes, ao interpretar restritivamente tais hipóteses e requisitos nos casos concretos.
Esses modos de funcionamento das penas alternativas no Brasil são semelhantes aos identificados em outros países pela literatura especializada. Embora a escolha de sujeitos que deveriam receber uma forma de sanção diferente dos demais adquira contornos específicos em uma sociedade que se representa de forma desigual como a brasileira, trata-se de um fenômeno comumente associado aos programas de penas não-carcerárias, o que os leva, muitas vezes, a competirem entre si, e não com a prisão, pela sua "clientela". Conforme denominou Stanley Cohen, entra em funcionamento um "princípio de eligibilidade incremental", em que cada organização retém os sujeitos que se encaixam em seu público-alvo, deixando para que as demais organizações de controle social apliquem seus critérios próprios de eligibilidade.
O principal desafio das alternativas ao encarceramento, no Brasil e em outros contextos, continua sendo o de efetivamente reduzir a utilização da prisão como forma de punição. Até mesmo propostas mais recentes no Brasil, como a implementação de variadas formas de justiça restaurativa, não têm conseguido evitar o seu direcionamento a sujeitos e crimes que tradicionalmente não resultariam em penas privativas de liberdade. A imaginação e esforço institucionais voltados ao enfrentamento dos problemas causados pelo encarceramento parecem estar se redirecionando das alternativas ao cárcere para "cárceres alternativos", como as Associações para Proteção e Assistência a Condenados – APAC’s, buscando selecionar, para sua "clientela", aqueles que possuem capacidade de "autogerir" suas penas.
Referências bibliográficas
BERDET, Marcelo Borba. Os significados da punição nas penas alternativas. 2015. 175 f., il. Tese (Doutorado em Sociologia). Universidade de Brasília, Brasília, 2015.
COHEN, Stanley. Visions of social control. Cambridge: Polity Press, 1985.
INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA. A aplicação de penas e medidas alternativas: relatório de pesquisa. Rio de Janeiro: IPEA, 2015. Disponível em: [link].
LARRAURI, Elena. "Nuevas tendencias en las penas alternativas", Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais Online, v. 13, n. 53, p. 66-87 (p. 1-11), mar./abr. 2005.
SOUZA, Guilherme Augusto Dornelles de. "Quando as alternativas penais são a solução, o encarceramento é o problema?", In: SOUZA, Bernardo de Azevedo e; SILVEIRA, Felipe Lazzari da (orgs.). Democracia e(m) sistema penal. Porto Alegre: Canal Ciências Criminais, 2017. p. 167-177.
Referências artísticas
Gênio Indomável (Gus Van Sant, 1997)
Filme
Um jovem rebelde com passagens pela polícia trabalha como servente de limpeza numa universidade de Boston. Após ser preso por agressão ao ter se envolvido em uma briga, tem sua pena suspensa sob a condição de fazer terapia, estudar e trabalhar para um professor na universidade. Indiretamente, o filme mostra como as penas alternativas permitem mudanças positivas nas vidas dos condenados ao impedir seu encarceramento.
White Bear (Black Mirror, 2013: T2E2)
Série
O episódio apresenta uma trama autônoma que gira em torno de uma mulher que não se lembra de quem ela é ao acordar em um lugar onde quase todo mundo é controlado por um misterioso sinal de televisão. Junto com uma das poucas mulheres que não foram não afetadas, elas devem parar o transmissor "White Bear" enquanto algumas pessoas tentam matá-las. O episódio permite colocar em questão o quanto penas diversas do encarceramento são menos punitivas que a própria prisão.
Sem título (Banksy, 2015)
Graffiti
O graffiti de Banksy mostra crianças usando uma torre de vigia israelita como eixo de um balanço/carrossel. É possível relacionar o arranjo do desenho ao modo como a "sensação de liberdade" proporcionada pelas alternativas à prisão (representadas pelas crianças nos bancos) nunca perde sua conexão com o encarceramento e a sua vigilância (representados pela torre israelita). As alternativas à prisão se apresentam como possíveis apenas enquanto a própria prisão lhes dá sustentação, sendo uma continuação "lúdica" de suas técnicas de vigilância e disciplina.
Guilherme Augusto Dornelles de Souza
Lattes | ORCID
SOUZA, Guilherme Augusto Dornelles de. Penas alternativas. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. 2.ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2021. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/penas-alternativas/83. ISBN 978-65-87298-10-8.