Patriarcado

Patriarcado

Definição

Sistema social estruturado através do controle seletivo sexista, fundamentado e fundamentando a pretensa supremacia dos homens sobre as mulheres, que permeia toda a sociedade, desde a organização familiar chegando às relações políticas, econômicas e sociais.

Aspectos distintivos

Termo de origem grega que representa a autoridade do pai e, como consequência, do comando do homem dentro da sociedade. Este comportamento, ao longo dos séculos, estruturou a sociedade com distinção de papéis conforme o gênero, reservando aos homens o protagonismo em suas comunidades como chefes de família em todos seus aspectos, como entes políticos e religiosos, ocupando os espaços públicos de comando durante o desenvolvimento das civilizações.

A evolução do conhecimento - enquanto ciência e saberes - ao receberem contribuições femininas - e, posteriormente feministas - revelou a falência dos pressupostos paradigmáticos do patriarcado, mostrando que a civilização se inviabiliza se mantidos aqueles paradigmas. Percebe-se com isso que, enquanto o poder e os privilégios forem dados ao masculino hegemônico, as relações sociais de poder desiguais continuarão a ser construídas.

Acompanhando estas considerações, não se pode esquecer que o direito participa deste desenvolvimento histórico e social e, portanto, não contempla, adequadamente, as peculiaridades e diferenças entre os gêneros, classes, raças e etnias; e a criminologia, por sua vez, operou por muito tempo em campo tendencioso a excluir diversos marcadores sociais, dentre eles o gênero.

Desta forma, é importante lembrar que a criminologia feminista surge em torno de 1980, subsidiando uma análise macrossociológica do sistema patriarcal, ou seja, do sistema de dominação e exploração do homem sobre a mulher, principalmente sobre a indagação de como o sistema de justiça criminal trata essa mulher, seja como vítima ou como autora de crimes através do sistema de controle social formal, através das instituições que integram o sistema penal.

Análise

Apontar a importância da compreensão da seleção dos indivíduos no sistema penal, que ocorre devido aos mecanismos de subordinação de classes, raças e de gênero, já que a lei é instrumento de reprodução do sistema patriarcal e falar, portanto, deste tema na criminologia requer olhar crítico sobre os estereótipos, papéis formadores e dos contextos historicamente construídos. Assim é possível observar como condutas descritas - de forma sexista e discriminatória às mulheres - acabam por caracterizar o que é ser mulher, concedendo ou negando-lhe direitos por escolha e impondo o masculino como hegemônico.

Exemplo claro desta rotulação e imposição de comportamentos às mulheres por parte do ideário masculino foi expresso, no final da Idade Média, no livro Malleus Maleficarum dos clérigos Kraemer e Sprenger, que mais tarde se tornou o mais conhecido documento sumular da Santa Inquisição, apesar da resistência encontrada dentro da própria igreja que não concordava inteiramente com o conteúdo do livro. Neste manual, foi feita relação entre a feitiçaria e a mulher, a partir de trechos do Antigo Testamento, com afirmações sobre a perversidade, malícia, fraqueza física e mental, bem como a pouca fé da mulher, subsidiando a inquisição e a caça às bruxas, prevendo comportamentos a serem criminalizados e penas a serem aplicadas. A criminologia desde essa época até o século XIX pouco se preocupou com as mulheres, exceto de forma tangencial.

No período humanitário em que se repudiou as penas desumanas e degradantes, a mulher ressurgiu dentro do paradigma etiológico da escola positivista, em que a criminalidade é vista como uma realidade anterior ao direito penal, podendo ser constatada através das características físicas, biológicas, individuais e sociais dos indivíduos. Nesse período, na obra La donna delinquente - de Lombroso e Ferrero –, a mulher foi caracterizada como fisiologicamente inerte e passiva, mas obediente à lei. Contudo, a mulher criminosa – e a prostituição era na época o maior exemplo de delinquência feminina - seria amoral, engenhosa, calculista, sedutora e maléfica, características semelhantes ao perfil criado no período medieval.

No decorrer do século XX, as criminologias vêm denunciando que o sistema penal e suas instâncias funcionam seletivamente e que as condutas selecionadas para serem criminalizadas são aquelas que, na maior parte das vezes, ocorrem nas classes mais distantes dos centros de poder. Desta forma as teorias criminológicas tentaram resolver questões que partiam de indagações masculinas, sendo as questões fundamentalmente analisadas e generalizadas para estereótipos de gêneros.

Com o crescimento exponencial do encarceramento feminino, se observa que grande parte dessas mulheres são de cores preta e parda, sem sequer possuírem o ensino fundamental completo, denotando nitidamente a seletividade do sistema penal que é resultado da falta de igualdade entre homens e mulheres, fazendo-se necessária atenção das intersecções entre gênero, cor e classe.

Cada processo do sistema penal demonstra o estigma do simbolismo de gênero, já que cada papel até então cumprido tanto por homens quanto pelas mulheres ao longo da história estavam ligados ao sexo biológico, de tal forma que o espaço da mulher não foi construído pelo seu gênero. É necessário provar a mulher como sujeito de gênero ativo e, a partir da análise do problema do encarceramento feminino, perceber que se tornou fundamental a contribuição da criminologia feminista frente a ótica do gênero para a criação das políticas de igualdade de gênero.

A concepção da mulher como uma vítima de crime, historicamente foi construída de forma sexista em que se devia demonstrar, no tipo penal aplicado ao crime, se poderia ser considerada honesta ou prostituta. Hoje não há essa descrição no tipo penal, porém o cenário no sistema ainda revitimiza as mulheres de forma a reviverem os crimes sofridos através de depoimentos em que são submetidas e subjugadas. O sistema deixa de garantir segurança à mulher e a proteger os seus direitos, mas aumenta, cada vez mais, a presença de mulheres no sistema carcerário brasileiro.

Este sistema prisional, por sua vez, expõe a opressão que o patriarcado ainda exerce diante da violação dos direitos das mulheres. Mesmo quando consideradas sujeitos de direito, não lhe é garantida a dignidade pela inobservância de suas peculiaridades que exigem tratamento e cuidados específicos. Quanto mais o Estado se preocupa em criminalizar condutas e aplicar penas, menos pensa no contexto em que a mulher se encaixa como agente ativo do tipo penal.

Dentro das casas prisionais as mulheres vivem em condições precárias, tanto quanto a dos homens, mas algumas especificidades não são observadas quando do planejamento destas estruturas: o kit de higiene não inclui o necessário para dar conta do período menstrual; o difícil acesso aos exames preventivos específicos da mulher, estando ela grávida ou não; a ausência de locais de convivência entre as mães e seus filhos recém-nascidos ou imberbes. Não há como se falar em justeza ou justiça quando direitos fundamentais e direitos humanos são sonegados a quem está sob a tutela do Estado. Ao sair do presídio, a mulher tem sua vida verberada pelos seus próprios opressores, basta ver que não existe um sistema de reinserção social, denotando que a mulher permanece excluída e marginalizada pela sociedade, mesmo com contextos históricos diferentes do paradigma do patriarcado.

Por fim, é certo que o tema deste verbete pode ser relacionado diretamente com temas pulsantes como, por exemplo, sua relação com o feminismo – e aí caberia falar sobre as diversas faces e segmentos do feminismo; assim como a relação do patriarcado com a constituição da academia – majoritariamente masculina – e o esquecimento das mulheres que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da criminologia; no entanto, por ora, o objeto é o patriarcado como estruturação da sociedade, na qual o direito penal e a criminologia estão inseridos.

Referências bibliográficas

BENHABIB, Seyla; BUTLER, Judith; CORNELL, Drucilla; FRASER, Nancy. Debates feministas: um intercâmbio filosófico (Feminist Contentions: A Philosophical Exchange). Tradução: Fernanda Veríssimo. São Paulo: Editora Unesp, 2018. ISBN 978-85-393-0765-4.
BORDIEU, Pierre. A dominação masculina (La domination masculine). Tradução: Maria Helena Kühmer. 18. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2020. ISBN 9788528607055.
KERN, Leslie. Cidade feminista: espaço em um mundo desenhado por homens (Feminist City: A Field Guide). Tradução: Thereza Christina Rocque da Motta. Rio de Janeiro: Oficina Raquel, 2021. ISBN 978-65-86280-661.
SANTOS, Michelle Karen (Org.). Criminologia feminista no Brasil: diálogos com Soraia Mendes. São Paulo: Blimunda Estúdio Editorial, 2020. ISBN 978-65-991502-1-0.
WOOLF, Virginia. As mulheres devem chorar...Ou se unir contra a guerra: patriarcado e militarismo. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. ISBN 978-85-513-0493-8.

Referências artísticas

Acusados (Jonathan Kaplan, 1988)
Filme
Conta a história de uma jovem que é estuprada por três homens dentro de um bar, enquanto outras pessoas incentivam o ato; na tentativa de fazer os acusados responderem criminalmente, a vítima tem que reviver o crime e ser confrontada e subjugada.

The Handmaid's Tale (Elisabeth Moss e Margareth Atwood, 2017-)
Série
Narra a história de uma sociedade com poucas mulheres férteis e que são recrutadas para casas de famílias no qual são submetidas a estupros com rituais para engravidar dos chefes das casas em que estão designadas.

O Último Duelo (Ridley Scott , 2021)
Filme
Conta a história medieval em que a mulher é vista como mera propriedade dos seus maridos. Ocorre que uma jovem que foi estuprada e seu marido busca vingança em um duelo contra o acusado de violentar a posse.

Katheline Silveira
Lattes | ORCID


SILVEIRA, Katheline. Patriarcado. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. 3. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2022. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/patriarcado/109. ISBN 978-65-87298-14-6.