Definição
A Operação Lava Jato pode ser descrita como o conjunto de investigações da Polícia Federal e de processos judiciais movidos pelo Ministério Público Federal que têm como alvo doleiros, empresários, políticos e outras pessoas vinculadas a eventuais esquemas fraudulentos no âmbito da Petrobras, os quais tinham, por vezes, o objetivo de abastecer campanhas eleitorais ou fortalecer cartéis para fraudar licitações.
Aspectos distintivos
Desde sua deflagração em março de 2014, a Operação Lava Jato e os atores que a compõe (especialmente policiais federais, procuradores da República, juízes federais, juízes de tribunais regionais federais e ministros do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal) passaram a pautar, por diversos motivos, muitos dos debates jurídicos e políticos ocorridos no país, vindo a ganhar notoriedade. Ao longo do tempo e até o momento atual, a Operação Lava Jato foi dividida por fases de atuação, ou seja, operou através de momentos demarcados em que em que foram cumpridos mandados de busca e apreensão e prisões autorizadas pelo Poder Judiciário, assim como oferecidas denúncias criminais pelo Ministério Público Federal. A própria nomenclatura – Operação Lava Jato – se origina das circunstâncias da primeira fase: ao investigar valores de origem ilícita e a possibilidade de lavagem de dinheiro, os órgãos de investigação se depararam com a utilização por doleiros de um posto de combustível em Brasília. Nesse local, havia também um serviço de lava a jato de automóveis, o que deu a Polícia Federal o insight para nomear a operação. Alguns estudos apontam que o desenvolvimento institucional, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e ao longo dos anos 2000, de órgãos como a Polícia Federal e o Ministério Público – sobretudo aquele com atuação na esfera federal – foram cruciais para o desenrolar da Operação Lava Jato. Ao mesmo tempo em que a Operação Lava Jato pode ser vista como um bloco monolítico, composto por órgãos de investigação, burocráticos e judiciais, ao longo do tempo alguns atores foram recebendo a distinção da população, especialmente o ex-juiz federal Sérgio Moro – que se exonerou ao final de 2018 para assumir o cargo de ministro da Justiça e Segurança Pública no governo de Jair Bolsonaro – e o procurador da República Deltan Martinazzo Dallagnol. De maneira geral, ao serem percebidos como empreendedores jurídicos, a importância desses atores – e de tantos outros – está na possibilidade de ambos terem utilizado de seus capitais simbólicos (títulos, diplomas, experiências profissionais, conexões pessoais e políticas etc.) para projetar com maior intensidade discursos produzidos no campo jurídico sobre probidade administrativa e combate à corrupção, o que teria levado a Operação Lava Jato às dimensões alcançadas em seu percurso, diferenciando-a de outras operações no Brasil. Uma singularidade da Operação Lava Jato está nas ligações que essa mantém com o campo internacional. De um lado, em termos de proximidade de atuação, a Operação Lava Jato foi vinculada a Operazione Mani Pulite (ou “Operações Mãos Limpas”), ocorrida na Itália nos anos noventa (1992-1996) e que ficou conhecida como uma grande operação de combate à corrupção. Durante os anos que funcionou, a Mãos Limpas investigou parlamentares e ex-primeiros-ministros, obrigou figuras políticas a renunciarem e outros a se exilarem, levou ao desparecimento de alguns partidos políticos ou fez com que impusessem reformas radicais em suas estruturas e, por fim, oportunizou que novos partidos emergissem na cena política. No entanto, seu fracasso pode ser visto anos depois com a persistência de elementos de corrupção na estrutura política italiana, bem como com a ausência de importância dada às políticas anticorrupção no debate público. De outro lado, um estudo demonstra que elementos como a trajetória de Deltan Dallagnol e Sérgio Moro (onde buscam algumas de suas ideias nos Estados Unidos da América, local de formação e/ou referência desses atores), a existência de cooperações internacionais como reforço institucional por parte do governo, do Ministério Público Federal, da Controladoria-Geral da União, entre outros órgãos, e um catecismo em torno de uma luta anticorrupção propagado por think tanks e ONG’s no Brasil (como, por exemplo, a Transparência Internacional) também se colocam como uma chave-explicativa válida para compreender a Operação Lava Jato, a qual vem se mostrando um caso exemplar de um novo tipo de ativismo judicial. Outra originalidade da Operação Lava Jato que merece destaque é o uso sistemático da colaboração premiada, utilizada por investigados e réus que, após colaborarem com as investigações e processos em andamento, podem receber determinados “benefícios penais”, como uma redução de pena. No entanto, o modo como os atores da Operação Lava Jato fizeram uso desse instituto levantou diversas críticas, na medida em que muitas delações foram precedidas de prisões (preventivas ou provisórias), o que poderia colocar em xeque o caráter voluntário das colaborações. Porém, existem os que defendem a utilização irrestrita das colaborações premiadas, sob o argumento de que muitos dos crimes investigados pela Operação Lava Jato (como corrupção, lavagem de dinheiro, caixa dois, entre outros) terminam por impor uma dificuldade de acessar fatos e provas, por ocorrerem sob o interesse de sigilo dos agentes envolvidos. A colaboração premiada, por isso, tornou-se um instrumento valioso para os órgãos de investigação e de acusação, ao permitir-lhes acesso aos meandros do sistema político brasileiro, embora seu uso no âmbito da Operação Lava Jato tenha sido denunciado como um retorno a práticas de um sistema inquisitorial. Nesse sentido, ao contrário do que se pode presumir, a colaboração premiada, tal como a conhecemos no Brasil e mesmo no âmbito da Operação Lava Jato, nada tem a ver com o modelo norte-americano denominado plea bargaining: se nesse o órgão de acusação coloca em negociação o crime, ou seja, qual crime será assumido pelo investigado (e, assim, qual pena será imposta), na colaboração premiada o objeto principal é a pena, tendo em vista que o investigado tem de confessar o crime para então delatar os coautores. Assim, quando o acordo de colaboração premiada é pactuado, não se evita os custos econômico e pessoal, o risco de condenação para o acusado e de absolvição para a acusação, o estresse e o tempo de tramitação do processo: o que se busca, ao fundo, é apenas a verdade real com a confissão do colaborador, pois o processo mantém seu percurso. Por fim, merece atenção a relação da Operação Lava Jato com a mídia, sobre a qual um parece ter havido algo de inaugural e paradigmático, que teria sido iniciado durante a cobertura do Mensalão e que amadurece somente durante a Operação Lava Jato. Essa relação tem se mostrado no modo mais independente como os meios de comunicação cobriram as fases, as colaborações premiadas firmadas e, sobretudo, os investigados e os réus que nelas constaram. Se antes alguns políticos tradicionais pareciam ser blindados, na cobertura da Operação Lava Jato muitos foram expostos nas primeiras páginas, o que talvez demonstre haver uma mudança na correlação de forças, onde a mídia se associa com as instituições do sistema de justiça criminal em detrimento das forças políticas do país. Outros dois pontos merecem atenção: o fato de que durante o percurso da Operação Lava Jato, essa foi marcada por vazamentos de trechos de colaborações premiadas, além da existência de coletivas de imprensa, a fim de explicar novas etapas da operação, denúncias e seus resultados, por parte de agentes do sistema de justiça. Embora possam ter acontecido em outros momentos, na Operação Lava Jato ambos fenômenos se tornaram mais recorrentes.
Análise
Desde o princípio da Operação Lava Jato, diversos estudos foram produzidos. Alguns ocupam-se das relações familiares, da visão social de mundo, dos padrões de carreira de alguns agentes da Operação Lava Jato (utilizando-se do método prosopográfico), do desenvolvimento das instituições que a compõe, dos instrumentos jurídicos nela utilizados (colaborações premiadas, cooperações internacionais, conduções coercitivas, etc.) e dos números que a Operação Lava Jato produziu, com foco nas sentenças proferidas por Sérgio Moro; outros, dão conta da cobertura da mídia e da opinião pública a partir do momento em que a Operação Lava Jato passou a existir, das consequências dessa operação sobre a economia, dos impactos sobre o Congresso Nacional e das possíveis influências sobre a disputa eleitoral ocorrida em 2018 no país. Entre esses mencionados, são dados enfoques múltiplos, que vão da ciência política ao direito, da sociologia às políticas públicas, entre outras áreas, em sua maioria publicados e acessíveis nos principais canais de pesquisa científica. Nesse sentido, embora diversos assuntos tenham sido objetos de pesquisa, parece haver outros a serem desenvolvidos: a atuação dos agentes da Operação Lava Jato nos tribunais superiores (Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal), as consequências políticas e jurídicas das mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil, o desfecho de julgamentos pendentes no Supremo Tribunal Federal que afetam os processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e os rumos da trajetória política de Sérgio Moro e de outros atores vinculados a Operação Lava Jato que compõe o atual governo de Jair Bolsonaro são algumas das temáticas candentes e que merecerão, ao longo dos próximos anos, um olhar atento do campo científico.
Referências bibliográficas
ALMEIDA, Frederico de. “Justiça, combate à corrupção e política: uma análise a partir da Operação Lava Jato”, Revista Pensata, v. 5, n. 2, novembro de 2016.
ENGELMANN, Fabiano. “Campo jurídico e prescrições internacionais anticorrupção nos anos 2000”, In Anais do 11º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política (ABCP), Curitiba, 2018, p. 01-21.
FARIA, Vera Ribeiro de Almeida dos Santos. “Trocando pneu com o carro andando!”: uma pesquisa empírica sobre as representações acerca do instituto da colaboração premiada dentre os atores do sistema de justiça do Estado do Rio de Janeiro. Tese (doutorado) – Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2019.
FERES JR., João; BARBABELA, Eduardo; BACHINI, Natasha. "A Lava Jato e a mídia", In: KERCHE, Fábio; FERES JR., João (Coord.). Operação Lava Jato e a democracia brasileira. São Paulo: Editora Contracorrente, 2018.
VANNUCCI, Alberto. “The Controversial Legacy of ‘Mani Pulite’: A Critical Analysis of Italian Corruption and Anti-Corruption Policies”, Bulletin of Italian Politics, v.1, n. 2, 2009, p. 233-264.
Referências artísticas
Democracia em Vertigem (Petra Costa, 2019)
Documentário
No documentário Democracia em Vertigem, Petra Costa faz um paralelo entre sua vida privada e o cenário político brasileiro. Abordando diversos momentos do país, desde a ditadura civil-militar até a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao poder, o documentário produz colateralmente uma narrativa de onde a Operação Lava Jato se inseriu no cenário nacional desde sua deflagração. Com isso, termina por construir uma linha histórica em que tenta demonstrar as influências daquela operação e dos agentes que a compunham – como o procurador federal Deltan Dallagnol e o ex-juiz Sérgio Moro – sobre os resultados das eleições presidenciais de 2018, que coroaram a vitória de Jair Bolsonaro. Ao final, uma cena expõe o aceite de Moro para ser ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro.
O Mecanismo (José Padilha, 2018-2019)
Série
Já com duas temporadas lançadas, o seriado O Mecanismo, produzido pela Netflix e dirigido por José Padilha, constrói uma narrativa diretamente vinculada com os acontecimentos da Operação Lava Jato. Sua linha histórica e os personagens nela representados dão conta tanto dos acontecimentos protagonizados pelos membros do sistema de justiça criminal quanto de eventos que tiveram a participação de agentes do sistema político brasileiro. Assim, a partir de uma narrativa fictícia dividida em episódios, tal referência fornece uma ideia ampla de como a Operação Lava Jato se iniciou e seu desenvolvimento posterior. Por misturar fatos reais com ficção, muitos dos elementos trazidos no seriado merecem cautela e escrutínio.
Sobre Lutas e Lágrimas: uma biografia de 2018, o ano em que o Brasil flertou com o apocalipse (Mário Magalhães, 2019)
Livro
O livro de Mário Magalhães não aborda diretamente a Operação Lava Jato, mas insere seus movimentos e de seus atores dentro de um contexto: o ano de 2018. Tendo como personagens principais Marielle Franco, Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro e amarrando idas e vindas da história brasileira, Magalhães fornece um registro jornalístico excelente do que aconteceu no país ao longo daquele ano. Assim, em alguns capítulos do livro (como “Presidente Moro”, “Lula Preso”, “Aécio ficou só” e “Partido da Justiça”), entrelaçam-se os rumos da Operação Lava Jato com as engrenagens do sistema político brasileiro, permitindo uma leitura rica sobre fatos recentes e que, por estarem serem tão próximos, continuam presentes no debate público.
Lucas e Silva Batista Pilau
Lattes | ORCID
PILAU, Lucas e Silva Batista. Operação Lava-Jato. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2020. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/operacao-lava-jato/53. ISBN 978-85-92712-50-1.