Neurocriminologia

Neurocriminologia

Definição

É uma ramificação da criminologia que aplica descobertas do ramo da neurociência no estudo e nas análises de atividades criminosas, podendo fazer uso de imagens de escaneamentos cerebrais e outros instrumentos que possibilitem averiguar a propensão de um indivíduo para o cometimento de crimes no futuro.

Aspectos distintivos

Com ascensão recente, os estudos em neurocriminologia apresentam uma nova perspectiva através da qual se pode ver o crime. Pesquisas apontam que não apenas há criminosos com estruturas e compleições químicas diferenciadas em seus cérebros, mas também que tais diferenças podem levar ao cometimento de crimes.

A neurocriminologia tem garantido para si um bom espaço nas ciências criminais, antes amplamente tomadas pela sociologia. Com ela, volta o debate de teorias antigas: o Criminoso Nato de Lombroso e outros determinismos que a ciência fez um esforço ativo para superar retornam diante da possibilidade de se identificar um criminoso a partir de imagens de seu cérebro. O maior expoente do assunto, todavia, aponta que seus estudos indicam fatores de risco, não necessariamente determinantes na análise do comportamento criminoso. O crime deve ser abordado como fenômeno biopsicossocial, de modo que teorias que abordem apenas uma destas faces se mostram insuficientes, hoje, para explicá-lo.

Tal ramificação da criminologia, entretanto, permite compreender mais profundamente crimes, sobretudo violentos e cruéis, assim como histórias mais elaboradas sobre serial killers, mass shooters e outros tipos de delinquentes que a sociologia não consegue alcançar.

Análise

Seguindo uma longa linha de raciocínio antes mesmo da pesquisa desenvolvida por Cesare Lombroso, que culminou na obra O Criminoso Nato, os estudos acerca de uma delinquência inerente ao indivíduo que a comete carregam consigo os preconceitos e as incapacidades da sociedade. Dando ares de ciência a estes, o médico italiano realizou pesquisa empírica junto a uma população já bastante selecionada para determinar os parâmetros físicos dos desviantes, realizando um feitio que volta e meia retorna à luz das pesquisas criminológicas e, de fato, nunca abandonou o imaginário social.

Pouco creditada após um maior conhecimento de seus vícios metodológicos, a pesquisa de Lombroso se tornou um emblema do que não fazer, referida muitas vezes como um absurdo determinista. Anos de desenvolvimento científico e social se passaram, com apresentação de novas teorias psicológicas, sociais e biossociais do crime, até que fosse possível afirmar que, talvez, Lombroso não estivesse tão errado assim.

Os dois problemas centrais da neurocriminologia residem justamente num possível determinismo neurocientífico (no sentido de médico), e na volta do discurso lombrosiano.

Verificada a partir de novos aportes a existência de indivíduos biologicamente propensos ao cometimento de crimes, deve haver uma resposta, sobretudo estatal: o que fazer com essas pessoas que não controlam suas ações? Não se pode confiná-los (afinal, não cometeram e provavelmente não venham a cometer nenhum crime); não se pode matá-los; não se pode medicá-los à força e, por fim, não se pode deixá-los soltos. Uma urgência punitiva se apresenta na forma de necessidade de fazer algo com esses sujeitos antes que seja tarde demais. A neurociência, porém, não traz todas as respostas. Raine aponta que não é apenas a biologia que impele um indivíduo ao crime, mas também fatores psicológicos e sociais, requerendo uma análise interdisciplinar do fenômeno para que se compreenda as motivações e as punições adequadas para o crime. Ainda muito recente para que se tirem conclusões acerca de suas certezas e efetividades, a neurocriminologia presta muito bem o papel de fazer pensar sobre as demais teorias que ainda se estudam nas ciências criminais.

Referências bibliográficas

CRESPO, Eduardo D. (dir.); CLATAYUD, Manuel M. (coord.). Neurociencias y derecho penal: nuevas perspectivas en el ámbito de la culpabilidad y tratamiento jurídico-penal de la peligrosidad. Madrid: Edisofer, 2013.
GASH, Tom. Criminal: the truth about why people do bad things. London: Penguin, 2016.
RAFTER, Nicole. The criminal brain: understanding biological theories of crime. New York: New York University Press, 2008.
RAINE, Adrian. A anatomia da violência: razões biológicas da criminalidade. Porto Alegre: Artmed, 2015.

Referências artísticas

Monster, Desejo Assassino (Patty Jenkins, 2003)
Filme
Ambas as obras retratam a história de Aileen Wuornos, a “primeira serial killer” do gênero feminino, abordando os aspectos biopsicossociais que podem ter influenciado na empreitada criminosa de Aileen.

A Ira de um Anjo – Uma História de Abuso (Gaby Monet, 1990)
Documentário
Excertos de entrevistas realizados com Beth Thomas, “a menina psicopata” que, com apenas 7 anos, relatava maus-tratos ao irmão mais novo e o desejo de matar a família.

Crânio de Phineas Gage (Warren Anatomical Museum, Boston, doado em 1868).
Exposição
O caso de Phineas Gage é uma mudança notável de paradigma nos estudos de neuroanatomia. Após ter o cérebro perfurado por uma barra de metal, o homem mudou completamente de personalidade. Estudos em volta do ocorrido lançaram luz às funções dos lóbulos frontais (onde houve lesão), que supostamente não tinham função ou relação com o comportamento humano.

Jéssica Veleda Quevedo
Lattes | ORCID


QUEVEDO, Jéssica Veleda. Neurocriminologia. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2020. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/neurocriminologia/51. ISBN 978-85-92712-50-1.