Definição
Fenômeno de modificação de espaço urbano que resulta não apenas na elitização de um bairro, mas também em uma mudança social, combinando a segregação urbana com a requalificação das áreas para que classes mais altas do que as que ali vivem possam habitá-las.
Aspectos distintivos
O termo "gentrificação" deriva do substantivo inglês gentry, associado a grupos de origem nobre. O termo foi utilizado pela primeira vez em um estudo da socióloga britânica Ruth Glass para caracterizar áreas de Londres que eram ocupadas por trabalhadores e passaram a ser habitadas pelas classes média e alta. Ou seja, originalmente, o termo foi utilizado para caracterizar um processo de elitização de determinadas áreas da cidade que, anteriormente, eram consideradas populares. Esse processo fez com que a ocupação pela classe média londrina resultasse no aumento de aluguéis e com a consequente expulsão dos trabalhadores que viviam nas áreas centrais da cidade.
Com o passar dos anos, o tema ganhou espaço em debates de estudiosos, principalmente em países de língua inglesa, por experiências que se assemelhavam às características do fenômeno verificado por Ruth Glass.
O geógrafo escocês Neil Smith, sob a influência do geógrafo britânico David Harvey nos seus estudos, sinaliza como um ponto importante nos processos de gentrificação que além de uma mudança social, há uma mudança de elementos físicos do local gentrificado, onde, aliado à modificação e reabilitação das áreas em que classes com maior poder aquisitivo possam habitá-las, está a segregação urbana. Assim, o aumento no custo de vida é consequência do aumento na especulação imobiliária.
A privatização desses espaços necessita da reprodução do capital que acaba sendo encontrada na revitalização das cidades como um meio favorável ao acúmulo de capital. Dessa forma, a possibilidade econômica de construção de complexos esportivos para grandes eventos, shopping centers, vias de acesso, dependem do poder público, principalmente pela infraestrutura necessária no entorno desses empreendimentos, para atender não só os imperativos econômicos como também a economia.
Análise
A cidade se tornou um lugar controlado por organismos de segregação com o intuito de separar os ricos dos pobres, o que dificulta o exercício de um regime democrático, principalmente para os estratos mais baixos da sociedade que se tornam excluídos do ponto de vista político, econômico e social.
É cada vez mais precária a sobrevivência das camadas menos favorecidas economicamente, considerando o fato de que são elas que mais dependem dos serviços e do poder público, pois ficam completamente abandonadas. Isto pode ser visualizado no surgimento, nas metrópoles brasileiras, de áreas periferizadas, sendo um espelho das políticas econômicas adotadas pelo poder público no decorrer dos anos.
Constantemente áreas periferizadas de uma cidade se formam sem planejamento em virtude da especulação imobiliária, seja por meio de expansão vertiginosa de loteamentos em áreas mais afastadas, seja por meio de invasões de áreas não habitadas. Esses locais, em sua maioria, não possuem asfalto, transporte público, saneamento, ou seja, uma infraestrutura básica para se viver, e passam a sofrer pela distância dos grandes centros urbanos da cidade.
Com o passar do tempo ocorre a descentralização das principais atividades urbanas e dos serviços de forma que as áreas centrais se alastram para outras áreas da cidade. Isso resulta em uma ressignificação de determinados espaços que antes não possuíam estruturas básicas e eram desvalorizados para, então, passarem por uma modernização e especulação imobiliária.
É nessa conjuntura que o fenômeno da gentrificação ocorre, pois a população que antes residia nestas regiões passa a ser substituída por grupos sociais detentores de maior poder aquisitivo em virtude de as áreas que antes eram desvalorizadas passarem a ter um custo de vida muito alto. Dessa forma, ocorre a transformação da paisagem com a substituição de guetos – ou que se pode caracterizar como “pobreza” –, por condomínios, construções de médio a até alto padrão.
Contudo, forçoso ressaltar que a modificação dessas áreas não significa que a sociedade teve uma mudança no padrão de vida, considerando que a população mais carente é obrigada a migrar para regiões mais periferizadas da cidade, ocorrendo o que se pode chamar de segregação urbana ou, até mesmo, de higienização social.
A ligação entre violência e cidade é pouco explorada e pesquisada, fazendo com que a sociedade seja impedida de responder com alternativas às políticas e medidas tomadas pelo poder público e pela iniciativa privada por suas ações segregadoras.
Quando se fala em violência urbana é necessário considerar que esta denominação se refere tanto aos fenômenos que são gerados pela cidade quanto aos que acontecem dentro da cidade, como consequência dos processos violentos ligados às maneiras de produção do espaço urbano e suas implicações sociais, culturais e físicas. Contudo, nem todas as formas de violência são reconhecidas como violentas, fazendo com que sua análise seja parcial, continuamente com apoio da mídia corporativa que defende políticas de repressão e intolerância.
As metrópoles, com o crescente número de habitantes, tornaram-se grandes áreas com altos índices de miséria, desigualdades, desemprego, violência e outros problemas. A segregação, tanto espacial como social, faz com que a periferia fique marcada pela expansão de formas criminosas e perversas de sociabilidade, reforçando a disseminação da "cultura do medo", que reconstrói os significados sociais, culturais e políticos desses espaços. Assim sendo, tais espaços deixam de apresentar valores positivos, referências de identidades coletivas, e passam a ser o lugar e a origem da chamada violência urbana, estigmatizando os moradores desses locais.
As diferentes formas de violência com a ação criminal nas últimas décadas adquiriram uma dimensão incomum que transformaram o modo de viver nas cidades. O medo, a violência e a insegurança modificaram a percepção de questões que sempre foram pilares no planejamento urbano: a moradia, o meio ambiente, o transporte e o lazer.
O crescimento das favelas está historicamente ligado ao processo de urbanização, acelerado no Brasil a partir das décadas de 1960-1970. Entretanto, vale lembrar que seu surgimento remonta ao final do século XIX, tanto no Rio de Janeiro quanto em Belo Horizonte, onde as primeiras áreas faveladas se constituíram desde a construção da nova Capital.
Tem havido uma inflexão nas práticas governamentais nesses territórios, caminhando no sentido inverso das lutas dos movimentos sociais e das conquistas históricas das populações aí residentes. Essa inflexão tem duplo caráter, notadamente no que se refere aos aspectos de garantia do direito de permanência das famílias no local e do direito de participação nas decisões a elas afetadas. Nesse sentido, percebe-se, na cidade, a configuração de um novo marco do planejamento urbano para as favelas, com o uso crescente das práticas de remoção de famílias para fins de obras públicas, tendo como consequências o agravamento dos processos de gentrificação e uma série de impactos de ordem social, urbana e econômica.
Referências bibliográficas
GLASS, Ruth. London: aspects of change. Londres, Centre for Urban Studies/MacGibbon e Kee, 1964.
SMITH, Neil. La nueva frontera urbana: ciudad revanchista y gentrificación. Trad. Verónica Hendel. Madrid: Traficantes de Sueños, 2012.
SMITH, Neil. The new urban frontier: gentrification and the revanchist city. Londres, Routledge, 1996.
ZUKIN, Sharon L. Gentrification: culture and capital in the urban core. American Review of Sociology, n. 13, pp. 129-147. 1987.
Referências artísticas
Ponto de Vista (Ingrid Mabelle, 2015)
Documentário
Retrata através de diferentes perspectivas como a dinâmica de alteração do espaço urbano pode garantir que os moradores do entorno do Elevado Costa e Silva, conhecido como "Minhocão", não sofram com o processo de gentrificação.
Castelo Rá-Tim-Bum (Anna Muylaert e Cao Hamburger, 1994)
Série
Nino é um garoto de 300 anos que vive com seu tio, o Dr. Victor, um feiticeiro e cientista, e com sua tia-avó Morgana, uma feiticeira de 6.000 anos de idade. Os três moram em um castelo em algum bairro implícito na cidade de São Paulo. Na história surge o Dr. Abobrinha, um especulador imobiliário que deseja derrubar o Castelo e construir em seu lugar um prédio de cem andares.
Aquarius (Kleber Mendonça Filho, 2016)
Filme
Uma jornalista aposentada defende seu apartamento, onde viveu a vida toda, do assédio de uma construtora, a qual pretende demolir o edifício Aquarius e dar lugar a um grande empreendimento.
Alana Katiúscia Schütz da Silva
Lattes | ORCID
SCHÜTZ DA SILVA, Alana K. Gentrificação. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. 3. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2022. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/gentrificacao/105. ISBN 978-65-87298-14-6.