Definição
Conjunto de elementos materiais e imateriais dos membros de uma subcultura, do qual decorre um sistema de visibilidades, respostas e status criminologicamente relevante.
Aspectos distintivos
Estilo é a textura coletiva de uma subcultura. Trata-se do senso comum de um grupo em relação a um corpus de elementos de seu cotidiano. Seus cortes de cabelo, postura, roupas, carros, músicas e outros tantos outros elementos através dos quais esses sujeitos representam-se publicamente. O estilo de uma subcultura tem particular importância em sua razão de ser, uma vez que, muitas vezes, é aquilo que mantém sua união. O estilo de uma subcultura, sua afirmação e manutenção, promove, ademais, uma energia estética coletiva que mobiliza suas ações e, mais precisamente, seus atos de resistência.
Apesar de ser algo criado e mantido pelo indivíduo, o estilo tem a peculiar característica de mediar o indivíduo com o outro, mediá-lo, incluso, não só com seu grupo mas também com grupos diversos. É, precisamente, na interação social que se constrói sentido a um estilo. Quando dessa interação emerge uma subcultura criminalizada, da interação dos seus membros com as autoridades legais ou com os demais membros da comunidade, o estilo torna-se a ligação entre a subcultura e a identidade criminal.
Análise
Os estudos criminológicos que trataram sobre o tema passam pelas questões acima descritas, em distintos aspectos. Por exemplo, o mais icônico deles, um estudo de caso envolvendo grafiteiros na cidade de Denver, nos EUA, expõe todas as microfísicas nuances estéticas do grafite como elementos de estilo, desde assinaturas e uso de cores e formas específicas nos painéis pintados a detalhes outros como o uso de cadernos de desenhos especialmente customizados para os croquis dos grafites e registros de referências artísticas. Em tal estudo, demonstrou-se todo um sistema de visibilidades, respostas e status emergente desse esquema estético, através do qual os membros daquela subcultura identificam-se, competem entre si, comparam suas investidas artísticas, até conversam através de componentes estéticos. Da mesma forma em que esse manancial de elementos comunicacionais era utilizado pelo grupo, empresários morais denunciavam tais itens como forma de localização e ostracização de tais indivíduos em sua campanha para combater a prática do grafite na cidade. Em ambas as situações, o estilo tratava-se de ferramenta desses grupos, que precipitava interessantes efeitos: como exemplo, a ação comunicacional dos membros da subcultura, muitas vezes, era incitada a cada captura de um de seus pares, de maneira que as campanhas antigrafite promoviam exatamente aquilo que pretendiam combater.
Outro estudo sobre o tema digno de nota investiga a autodefinição de membros de gangues americanas e seu envolvimento em atividades delinquentes. A pesquisa descobriu certa proporcionalidade entre o nível de organização de um grupo e a uniformidade de suas roupas. Além disso, os itens de estilo ostentados por seus membros eram aquilo que, segundo a pesquisa, os identificava pelos demais membros da sociedade, ao contrário da autoidentificação que não ocorria através da indumentária – ao serem questionados sobre se aqueles itens se relacionavam com a gangue que pertenciam, menos da metade dos membros do grupo afirmou que não. Tal pesquisa demonstra a importância da roupa na identificação da subcultura criminalizada, mas demonstra uma outra faceta da escolha da indumentária que nada tem a ver com a pesquisa dos grafiteiros de Denver e suas escolhas estéticas.
No universo de itens que forma o estilo pessoal ou de um grupo, a roupa trata-se de um elemento fundamental e, de fato, merece um olhar criminológico apurado, dada sua importância política na sociedade ocidental. Se olharmos a inquisição, por exemplo, a roupa já tinha um papel na construção do Outro daquele tempo. A vaidade das mulheres era considerada, então, prelúdio para a fogueira, sinal de que havia feito certo pacto com o diabo. As bruxas, nesse período da Idade Média, eram pictoricamente representadas, na maioria das vezes, com roupas modernas e extremamente ornamentadas. As mulheres com roupas mais exuberantes sequer eram recebidas nos confessionários. Existia, por evidente, uma dominação do corpo feminino por trás desse jogo, mas as roupas já apareciam, desde aquele tempo, como ferramenta para tanto. A captura da vaidade da mulher e de sua escolha indumentária, com o objetivo de sua neutralização, denuncia uma relação um tanto remota do poder punitivo com essa ferramenta. É preciso lembrar, afora isso, que uma tecnologia, mais a frente, passa a cadenciar a concepção e a escolha dessa ferramenta: a moda. Sua influência na formação de desejos de consumo, prática de delitos em função dela incitados e identificação na massa como “suspeitos”, pelo uso do objeto de desejo por “pessoas erradas”, são reflexões importantes para a questão criminal, que, ainda, permanecem abertas e que postulam, por evidente, um enfrentamento criminológico mais profundo.
Referências bibliográficas
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WINLOW, Simon; HALL, Steve. “Criminologia e consumo”, In CARLEN, Pat; FRANÇA, Leandro Ayres (orgs.). Criminologias alternativas. Porto Alegre: Canal Ciências Criminais, 2017.
Referências artísticas
Moonlight (Barry Jenkins, 2017)
Filme
O personagem principal do filme tem uma relação bastante intensa com suas vestimentas. Transforma-se em traficante, tornando-se visível, à razão de sua nova condição e à razão, principalmente, de um estilo que passa a ostentar e ressignificá-lo. O filme explora delicadamente tal aspecto, de modo a permitir uma reflexão crítica sobre aquela investidura estética e sobre a própria identidade criminal do personagem, pretextos para tornar-se sujeito.
Leandro Ferreira de Paula
Lattes | ORCID
PAULA. L. F. Estilo. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2020. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/estilo/41. ISBN 978-85-92712-50-1.