Definição
Série de protocolos de análise biopsicossociais para identificar conduta dissimulativa no comportamento humano.
Aspectos distintivos
A mentira é um assunto de interesse da humanidade há muito tempo. Apesar de, como estudo, ser relativamente recente, Charles Darwin já afirmava que expressões faciais poderiam ser inatas e universais de algumas espécies, porém apenas por volta dos anos 1960 este assunto se tornou comum entre diversos pesquisadores das ciências comportamentais. Na mesma época o polígrafo, baseado em um sensor de resposta galvânica da pele (GSR), era usado pelo FBI para identificar mentiras em depoimentos de suspeitos de crimes. O GSR funciona de uma forma limitada; indica quando há uma resposta emocional – mas não qual. O psicólogo Paul Ekman foi o primeiro a desenvolver um estudo validando os pressupostos de Darwin: algumas expressões faciais emocionais são universais.
Ekman, em um primeiro momento, discordava de Darwin. O estudo de Ekman iniciou com um interesse sobre as mãos, para diferenciar pacientes neuróticos dos psicóticos deprimidos. Na falta de um sistema eficiente para medir essas variações a face se tornou objeto de estudo, levando-o até a Papua Nova Guiné para investigar uma tribo que nunca tivera contato com a sociedade contemporânea. Seu estudo foi uma sequência das hipóteses de Silvan Tonkins sobre a universalidade das expressões faciais emocionais, o qual Ekman discordava – para Ekman as expressões eram socialmente aprendidas e Tonkins não tinha evidências para comprovar suas hipóteses. Ao fim do estudo concluiu que existem expressões faciais aprendidas socialmente, porém algumas outras são biologicamente inatas e universais. Classificou essas expressões como raiva, felicidade, tristeza, nojo, desprezo, surpresa e medo.
Sendo assim, Paul Ekman e Wallace Friensen desenvolveram um sistema taxonômico da face para identificar micro expressões faciais: o Facial Action Coding System (FACS). Essas expressões faciais são reações biológicas do corpo para estímulos externos, que ao passar pela nossa experiência anterior do hipocampo cerebral causam uma reação natural no corpo. O cérebro racional (neocortex) – mais lento – tenta conter a reação, porém em uma fração de segundo é possível identificar emoções espontâneas – as microexpressões.
A partir de então o estudo da mentira passou a ter outra abordagem. Além de receber validação científica ganhou o reforço de outros estudos. Mais do que as reações biológicas do corpo, cientistas passaram a investigar como questões sociais e psicológicas poderiam integrar a análise. Foi assim que Dawn Archer e Cliff Lansley desenvolveram o SCAnS (Six Channel Analysis). Neste protocolo as expressões faciais são apenas um canal de comunicação na análise. Além da face são também analisados o estilo de interação, conteúdo da verbalização, voz, linguagem corporal e a psicofisiologia, expandindo o estudo para as áreas sociais e psicológicas, além da biológica.
Análise
O protocolo SCAnS (Six Channel Analysis) é o único com validação científica para a detecção de mentiras. Este protocolo é baseado na regra 3-2-7, que consiste na identificação de três pontos de incongruência em ao menos dois canais de comunicação em até sete segundos após um estímulo.
Sete segundos é o tempo que o cérebro demora para processar uma informação complexa em estado de tensão após um estímulo. O mentiroso, quando confrontado, entrará em estado de estresse e precisará pensar em como sustentar sua mentira. Este processo ocorre no neocortex, entretanto o estímulo já foi processado no sistema límbico, o que garante que as reações nos primeiros sete segundos após o confronto sejam genuínas. Após este período, o mentiroso será capaz de dissimular e controlar os aspectos da verbalização até que seja novamente confrontado e o processo se repita.
Uma microexpressão facial demorará até 0,6 segundos para atingir seu ápice, revelando a emoção facial espontânea, a partir de então os outros cinco canais de comunicação serão analisados para identificar pontos incongruentes: o momento em que as comunicações apresentadas por dois ou mais canais de comunicação discordam.
Cada canal de comunicação possui seu próprio sistema de análise individual que deve ser validado pelos demais canais. Alguns exemplos são os afastamentos verbais, gestos ilustradores, gestos pacificadores, pitch vocal, atos falhos, respiração, movimentos dos ombros e pescoço e posição da cabeça.
Em geral, cada pessoa possui uma chance em duas de detectar mentiras (50%), a aplicação do protocolo aumenta o potencial de detecção para 70%. Segundo estudo de Ekman, qualquer pessoa pode aplicar um protocolo multicanal de análise. Em uma pesquisa realizada com advogados, psicólogos, investigadores e policiais, a diferença do potencial de detecção entre as diferentes formações foi nula.
É importante ressaltar que não existe um único sinal da mentira, por isso é extremamente importante aplicar o protocolo em conjunto com outras técnicas, como o Rapport em casos de investigação. Apesar da evolução das técnicas e do conhecimento sobre o cérebro nas respostas e interações com o ambiente, tanto o FACS quanto o SCAnS possuem não mais que 90% de potencial de detecção de mentiras. Joe Navarro utilizou sua experiência no FBI para identificar as diferenças na detecção de conduta dissimulativa e comportamento violento em pessoas com transtorno de personalidade antissocial, isso demonstra que mesmo sem ter 100% de eficácia a análise dos seis canais de comunicação é capaz de detectar mentiras e outros tipos de comportamentos dissimulados em diversas situações.
Referências bibliográficas
ARCHER, Dawn; LANSLEY, Cliff. “Public appeals, news interviews and crocodile tears: an argument for multi-channel analysis”, Corpora, v. 10, n. 2, 2015, p. 231-258.
EKMAN, Paul. A linguagem das emoções: revolucione sua comunicação e seus relacionamentos reconhecendo todas as expressões das pessoas ao redor. São Paulo: Lua de Papel, 2011.
EKMAN, Paul. Telling lies: clues to deceit in the marketplace, politics and marriage. New York: Norton, 2009.
LANSLEY, Cliff. Getting to the truth: a practical, scientific approach to behaviour analysis for professionals. Manchester: EIA Group, 2017.
NAVARRO, Joe. Dangerous personalities: an FBI profiler shows you how to identify and protect yourself from harmful people. Emmaus: Rodale Books, 2014.
Referências artísticas
Um Estudo em Vermelho (Arthur Conan Doyle, 1887)
Livro
A ciência da dedução de Sherlock Holmes, apesar de não usar o fator biológico na análise, já era um indicativo do uso de protocolos científicos na identificação de conduta dissimulativa.
Lie to Me (Samuel Baum, 2009-2011)
Série de TV
O detetive Cal Lightman lidera uma equipe de investigação que utiliza do protocolo SCAnS e da leitura das microexpressões faciais para resolver seus casos através da detecção de mentiras. A série teve consultoria do próprio Paul Ekman, além de revelar em alguns momentos a história real de como foi realizada a pesquisa que afirmou que algumas expressões são universais.
Diego da Rosa dos Santos
Lattes | ORCID
SANTOS, Diego Rosa dos. Detecção de mentiras. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); QUEVEDO, Jéssica Veleda; ABREU, Carlos A F de (orgs.). Dicionário Criminológico. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2020. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/deteccao-de-mentiras/38. ISBN 978-85-92712-50-1.