Contrato social

Contrato social

Definição

Metáfora utilizada por ensaístas políticos dos séculos XVII e XVIII para justificar e legitimar a existência do poder soberano na constituição do Estado.

Aspectos distintivos

Os discursos contratualistas difundiram-se pelo continente europeu no final da Idade Moderna. Em comum, as teorias contratualistas foram concebidas para explicar a existência dos direitos dos homens e para justificar a fundação do Estado, produto do pacto social, como possibilidade de superação de um estado natural. Nelas, perpassa a ideia de um consentimento dos indivíduos em renunciarem algumas liberdades e se submeterem à autoridade soberana – de um governante ou da vontade da maioria – em troca da proteção daqueles direitos e da manutenção da ordem social.

As categorizações do pensamento de cada teórico decorreram de classificações posteriores, firmadas em divisões pedagógicas ou com o propósito de, por meio de uma seletividade de argumentos, sustentar concepções já firmadas.

Influenciado pelas revoltas políticas de sua época e confesso avesso à luta civil, Thomas Hobbes (1588-1679) edificou sua teoria com uma peculiar interpretação sobre a natureza do homem (homo homini lupus). Para Hobbes, a guerra de todos contra todos (bellum omnium contra omnes) do estado de natureza era fruto de duas forças determinantes no homem: a ânsia de poder, uma natural inclinação do homem pelo perpétuo e incansável desejo de conseguir poder após poder num contexto de liberdade absoluta, e o medo recíproco, uma insegurança compartilhada que tornava os homens inimigos uns dos outros. Somente acertada na base de um contrato, a sociedade se tornaria uma comunidade organizada e pacificada. Sob esse pacto, seus súditos compunham um gigante: o Leviathan, um monstro estatal criado a partir de homens anônimos e comuns, como representado no frontispício da primeira publicação da obra, datada de 1651.

É curioso identificar que Immanuel Kant (1724-1804), século e meio depois, em uma nota de seu ensaio A Paz Perpétua (1795), de modo semelhante sustentou que aquele – homem ou povo – que se encontra no estado de natureza não dá garantias de segurança e até causa danos pelo simples fato de achar-se nesse estado, pois, ainda que não seja hostil ativamente (facto), a ausência de lei do seu estado (statu iniusto) constitui-se em uma perpétua ameaça. Nessa situação, escreveu Kant, "eu posso obrigá-lo a entrar comigo em um estado legal comum, ou a afastar-se".

Crítico da monarquia absoluta, John Locke (1632-1704) desenvolveu uma metáfora contratualista na qual havia compromissos morais entre os indivíduos antes mesmo da constituição do Estado. Este atuaria, então, para proteger a vida, a liberdade e a propriedade daqueles que nele vivessem – e há quem identifique a influência dessa ideia no preâmbulo da Declaração de Independência estadunidense (1776). O argumento de Locke implica em algumas distinções importantes: primeiro, não há um marco divisor tão contrastante entre o caos beligerante do estado natural e a estabilidade pacífica da sociedade civil; segundo, direitos naturais, como o da autopreservação, eram considerados inalienáveis.

O trabalho de Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), por sua vez, foi resultado de sua suposição declarada – ou de um "malabarismo retórico", escreveu Proudhon, apresentado adiante – de que o homem era bom por natureza e que a busca pela felicidade lhe era inerente à vida. Em seus Discursos sobre a origem... (1754), Rousseau descreveu como o processo de socialização – a transformação do homem natural em homem social – afastou o homem de si e lhe permitiu a promoção da maldade contra o outro. Em outra obra, Emílio (1762), o corpo tornou-se representação da corrupção humana e integrou o confronto entre a parte sensível e a parte inteligível do homem. No seu Contrato Social (1762), Rousseau apresentou a idealização da sociedade, o termo perfeito e conjetural de desnaturação humana. A partir da técnica de cotejos – a natureza virtuosa contra a socialização corrupta –, revelou-se o arquétipo do bom selvagem. Em contraposição a alguns autores, como Hobbes, que defendiam que o "homem selvagem" teria uma vida solitária, grosseira, animalesca, breve e em constante estado de guerra, Rousseau sustentou a crença de que os seres humanos, em seu estado natural, eram pacíficos, serenos e altruístas (portadores de uma piedade inata). As questões que despontam das linhas de sua obra demonstram como o processo de socialização significou a degradação da natureza do homem e como esse poderia resgatar aquela bondade original. Houvesse condições, aqueles que pudessem renunciar a suas aquisições, ao espírito inquieto, ao coração corrompido, poderiam, assim, retornar aos bosques. À outra parte, cuja simplicidade original havia sido anulada pelas paixões, incapaz de se alimentar "de ervas e de bolotas", indigna de viver sem leis e sem chefes, caberia o cumprimento do papel de cidadãos, em uma organização política igualitária que preservasse a bondade natural que ainda restava aos homens. Para tanto, seria necessário um contrato social: uma proposta normativa de Estado ideal, com finalidade regeneradora.

Do mesmo modo que esboços teóricos podem ser encontrados em textos mais antigos, como nos diálogos de Platão ou na ideia de justiça de Epicuro, o contrato social foi objeto de interesse de pensadores posteriores aos filósofos políticos referidos acima.

O anarquista francês Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), por exemplo, defendeu um conceito de contrato social entre indivíduos – e não entre súditos e Estado – que se absteriam de coagir ou governar uns aos outros, mantendo cada qual completa soberania sobre si mesmo. Contrapondo-se à ideia de Rousseau – que ele caracterizou como uma aliança ofensiva e defensiva dos possuidores contra os despossuídos (um "contrato de aversão", um "monumento de incurável misantropia") –, Proudhon explicou, no seu livro Ideia Geral da Revolução no Século XIX (1851), que o contrato social deveria ser o ato supremo pelo qual cada cidadão oferece à associação "seu amor, sua inteligência, seu trabalho, seus serviços, seus bens, em troca de afeição, ideias, labor, produtos, serviços e bens de seus semelhantes", na medida do resgate do que pode ser exigido proporcionalmente por suas entregas. Esse contrato social deveria incluir todos os cidadãos, ser livremente discutido e individualmente aceito, e deveria ainda aumentar o bem-estar e a liberdade de todos.

Mais recente, o filósofo americano John Rawls (1921-2002) – também pertencente à tradição contratualista – apresentou, na sua obra Uma Teoria da Justiça (1971), uma concepção de justiça que generalizou e elevou a um nível maior de abstração a teoria do contrato social, argumentando que os princípios de justiça para a estrutura básica da sociedade constituem o objeto do pacto original. Esses princípios seriam aceitos como definidores das condições fundamentais da associação em uma hipotética "posição original" – uma situação inicial de igualdade que deixaria de lado preferências e habilidades sob um "véu de ignorância", situação correspondente ao estado de natureza da teoria tradicional do contrato social – por pessoas livres e racionais, interessadas em promover seus próprios interesses. Esses princípios, escreveu Rawls, deveriam reger todos os acordos subsequentes, bem como especificar os tipos de cooperação social que se poderiam realizar e as formas de governo que poderiam ser instituídas.

Análise

No que toca o campo criminológico, a matriz contratual concedeu à filosofia política o discurso indispensável para legitimar o poder de punir. É importante, neste ponto, esclarecer que o contrato social derivou de uma dupla ficção: histórica e estrutural.

Primeiro, historicamente, não se registrou uma guerra de todos contra todos. Kant, acima mencionado, admitiu isso num texto intitulado Sobre a expressão comum: "Isso pode ser verdade na teoria, mas não se aplica na prática" (1793); o filósofo de Königsberg reconheceu que o contrato social não se presumia como um fato, mas sim como uma ideia da razão – o que não deixava de ter, escreveu ele, uma "inquestionável realidade prática", "pois ela pode obrigar todo legislador a enquadrar suas leis de um modo tal que elas poderiam ter sido elaboradas pela vontade unida de toda uma nação, e a considerar cada súdito, na medida em que ele pode reivindicar cidadania, como se houvesse consentido dentro da vontade geral". O pensamento majoritário, no entanto, compartilhava de uma impressão distinta. Proveniente do interesse crescente nos povos nativos encontrados no continente americano, africano e, mais tarde, no oceânico, a noção de sociedades primitivas tornou-se objeto de estudos e de suposições de muitos pesquisadores dos séculos XVII e XVIII. A contraposição barbárie x civilização sugerida por esses antropólogos de gabinete insinuava que a anulação da barbárie humana seria o instrumento pelo qual se garantiria o processo civilizatório; a resposta pública seria, acima de tudo, a afirmação categórica de que a comunidade teria optado pela civilização. Essa interpretação sustentou o que veio a ser chamado posteriormente de eurocentrismo, uma perspectiva hegemônica de conhecimento baseada em dois mitos fundantes: a premissa da história da civilização humana como uma trajetória que partia de um estado de natureza e culminava na civilização europeia ocidental de então, e a visão das diferenças entre Europa e não-Europa como diferenças naturais/raciais e não como consequências de uma história de poder.

Segundo, estruturalmente, o contrato social foi um ponto de partida fictício, um suposto marco divisor entre o período em que os homens viviam sozinhos na natureza, em desordem absoluta, e um novo tempo em que a vida social fundamentava-se num contrato firmado por todos os indivíduos. O novo pacto imaginário invocado em prol da verticalização de poder, com o extremo desejado de monopólio da força, foi forjado para explicar as novas relações sociais e justificar e legitimar que os cidadãos transmitissem a um sujeito jurídico abstrato parcela de seus poderes e admitissem sua subordinação a ele: na nova ordem que se estabelecia, o indivíduo aceitava o poder soberano de punir (pacto de renúncia) e, sendo punido, tolerava sê-lo (pacto de submissão). Essa argumentação aproximou qualquer movimento que escapasse a seu controle do conceito de resistência ou delito, e equiparou esse com uma guerra, interna que fosse.

É comum que o conceito seja utilizado em escritos políticos, jurídicos e criminológicos como argumento raso para a justificativa e legitimação do poder punitivo. O uso irrefletido ignora que, como visto, houve muitas – e, por vezes, antagônicas – perspectivas teóricas sobre o contrato social. E ele é descuidado quanto a sua historicidade. Num discurso pronunciado, em 1819, no Ateneu Real de Paris, Benjamin Constant (1767-1830) apresentou uma elegante crítica aos argumentos de Rousseau. Para aquele, Rousseau cometeu o erro de transpor um poder social e uma soberania coletiva para um contexto que não os suportavam; a defesa de modelos políticos de outrora se justificava na nostalgia de um tempo passado. Sua crítica à época foi importante e nos serve de fundamento para esclarecer, hoje, que o discurso contratualista marcou uma época – e como tal deve ser entendido.

Referências bibliográficas

HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. São Paulo: Martins Fontes, 2019. [Leviathan, or, The matter, forme, and power of a common wealth, ecclesiasticall and civil by Thomas Hobbes. London: Printed for Andrew Crooke, 1651.]
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. São Paulo: Martins Fontes, 2020. [Two treatises of government in the former, the false principles and foundation of Sir Robert Filmer and his followers are detected and overthrown, the latter is an essay concerning the true original, extent, and end of civil government. London: Printed for Awnsham Churchill, 1689.]
PROUDHON, Pierre-Joseph. Idée générale de la Révolution au dix-neuvième siècle. Paris: Garnier frères, 1851.
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2016. [A theory of justice. Cambridge: Belknap Press, 1971.]
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social. Petrópolis: Vozes de Bolso, 2017. [Du contrat social; ou Principes du droit politique. Amsterdam: Marc-Michel Rey, 1762.]

Referências artísticas

O Senhor das Moscas (William Golding, 1954)
Livro
No enredo, um grupo de meninos britânicos sobrevive a uma queda de avião numa ilha deserta. De forma alegórica, o desastroso autogoverno deles na ilha se torna uma maquete da sociedade violenta e autodestrutiva da qual os garotos fugiam. Ao expor os conflitos dos impulsos humanos pela organização social e pelo visceral desejo de poder, Golding traduz em parábola a discordância entre os contratualistas sobre a essência humana em seu estado natural, a natureza da sociedade, o papel do governo e a permanência da barbárie no "contrato social".

The Ones Who Walk Away from Omelas (Ursula K. Le Guin, 1973)
Conto
Omelas, descreve a narradora, se parece com uma cidade num conto de fadas. O estado constante de satisfação e esplendor da comunidade se sustenta, contudo, em uma atrocidade: uma criança é mantida em perpétua e abominável miséria, num pequeno quarto fechado, no "subsolo debaixo de um dos belos prédios públicos de Omelas, ou talvez no porão de uma de suas espaçosas casas particulares". Entre os oito a doze anos de idade, quando têm maturidade suficiente, os cidadãos conhecem o segredo que mantém a bem-aventurança da comunidade. Os jovens espectadores ficam sempre chocados e enojados com o que veem. "Eles sentem raiva, revolta, impotência, apesar de todas as explicações. Eles gostariam de fazer alguma coisa pela criança. Mas, não há nada que possam fazer." Se a criança for retirada daquele lugar vil; se for limpa, alimentada, confortada; toda a prosperidade, a beleza e o deleite de Omelas murchariam. "Estes são os termos." Com isso, um dilema ético se instala: alguns aquiescem com a única injustiça que assegura a felicidade do resto da cidade; outros saem de casa, seguem sozinhos pela rua, continuam andando e rumam direto para fora da cidade, deixando-a para nunca mais retornarem. "O lugar para onde eles vão é um lugar ainda menos imaginável para a maioria de nós do que a cidade da felicidade. Eu não consigo descrevê-lo de forma alguma. É possível que não exista. Mas, eles parecem saber para onde estão indo, aqueles que se afastam de Omelas." [tradução minha]

Bugônia (Daniel Galera, 2021)
Conto
A partir do olhar de uma menina (Chama), a narrativa retrata a sobrevivência de uma pequena comunidade (Organismo) em simbiose com a natureza após uma peste que quase levou a espécie humana à extinção. Quando um astronauta (corpo estranho) entra em contato com o Organismo, uma reação imunológica da comunidade abre espaço para violências latentes que desequilibram o sistema social então vigente.

Leandro Ayres França
Lattes | ORCID


FRANÇA, Leandro Ayres. Contrato social. In.: FRANÇA, Leandro Ayres (coord.); ABREU, Carlos A F de; RIBAS, Eduarda Rodrigues (orgs.). Dicionário Criminológico. 4. ed. Porto Alegre: Editora Canal de Ciências Criminais, 2023. Disponível em: https://www.crimlab.com/dicionario-criminologico/contrato-social/126. ISBN 978-65-87298-15-3.